Diário de Bordo em 25 de janeiro de 2010
Continuação...
A noite foi bastante singular. Estabeleci sistema de plantão de vigília entre os homens a bordo, menos o Luciano e eu. O Gutinho pela atual profissão (Tenente do Exército) preparou os quarto de horas, que seriam de apenas uma hora para cada um, haja vista que começaram já era por volta das duas horas da madrugada.
Como o tempo havia mudado muito, estava entrando ondas fortes na enseada e nosso medo era alguma coisa dar errado, apesar de saber que estava bem ancorado o barco. Como ficamos bem perto da costa, para nos proteger melhor das ondas e do vento, sempre é bom nos prevenirmos.
Assim, os meninos foram trocando o quarto de hora até amanhecer. Passamos a noite em claro. Eu fiquei deitado bem na entrada do cassario e o Luciano na outra ponta. O Alex ficou moribundando a noite toda. dormiu enrolado na cobertura do fly, por que choveu a noite toda.
Apesar dos erros de hora dos meninos, que levou o Felipe a puxar 40 minutos a mais, da hora do Jõao, que adorou, foi tudo bem. A noite não terminava e o sol não aprecia. Aliás, não iria aparecer tão cedo. Clareou mas não surgiu e não surgiria tão logo.
Quando a claridade permitiu, me levantei e o pessoal foi aos poucos se desenroscando uns dos outros, principalmente as mulheres que dormiram todas na cabine da proa. Onde se dorme dois passaram a noite seis ou sete. Não dava para contar.
A única coisa boa foi que pude provar que quando elas querem, ninguém levanta para ir ao banheiro de noite...
Vi lá fora um marinheiro andando com uma chata de uns sete metros, de alumínio indo em direção ao inferno...digo, ao mar e foi entrando e sumiu em meios as imensas ondas que passavam ao largo da costeira. Imaginamos que tinha afundado, mas aos poucos ia reaparecendo numa ou noutra onda que o fazia parecer louco.
Quando menos esperávamos ele retornou do mar com mais três rapazes. Todos molhados até os ossos e com olhos arregalados. Devem ter visto o tamanho das ondas que era de arrepiar...pareciam sobreviventes do holocausto, rs
Quando ele passou próximo, o chamei e fiz sinal de ajuda. Ele deixou os três rapazes e voltou da praia. Falei que necessitava desembracar 13 pessoas e depois de outra leva de desabrigados que estavam na ilha em frente.
Numa próxima viagem, ele apreceu com três chineses (eu acho!) e me avisou para que todos ficassem prontos, pois não dava para ficar enconstado barco-a-barco por causa das ondas. Dei uns gritos, como bom Capitão e em segundos até os mais demorados já swe encontravam prontos.
A isso chamo de energia! rs
Retirei todos da embarcação, ficando apenas o Alex e eu. Quando todos sairam, o Alex disse: agora é com a gente patrão! Eu entendi bem o que ele quis dizer...
Fechamos o barco todo, checamos e rechecamos novamente. Prendemos tudo da melhor forma possível. Colocamos o máximo de peso para dentro dos porões para abaixarmos o ponto de equilíbrio e melhorarmos nossa estabilidade. Toda estabilidade seria muito bem aceita. Eu ia perceber isso logo logo.
Tudo pronto ficamos sentado no fly esperando uma janela no tempo. Olhávamos ao lado os demais barcos. Todos em estado letárgico. Balançando conforme o movimento das ondas. A garoa não parava de cair.
fiz contato com a Delta 21 - Iate Clube de Santos, pedindo informações sobre o tempo e sua mudança. Nada para as próximas 24 horas. Nos entreolhamos e decidimos arriscar.
Tudo pronto fomos levantando a âncora sob os olhares de reprovação dos demais marinheiros dos barcos vizinhos que forma ficando para trás. Olhamos o melhor ângulo para entrar no mar grosso.
Conforme fomos nos aproximando, fomos tomando noção do tamnho da dificuldade que iríamos enfrentar. De cara topamos com uma onda de pelo menos três metros que fez a proa da Odyssey se levantar em direção ao céu nublado e nós grudarmos no assento do fly. Na sequencia caímos nas costas da onda e já iniciamos a subida em outra que nos dava a impressão de ser maior ainda. Apavorante pela embarcação que estávamos.
Lembro-me de ficar pensando repetidamente: barco foi feito pra flutuar não para afundar, barco foi feito para flutuar não para afundar...
A terceira onda veio mais curta do que a frequência das demais, o que fez com que a nossa proa "enterrasse" dentro dela. Vi a água vindo por cima do convés até bater no quebra ondas do fly. Ainda bem que tínhamos abaixado o bomini, senão ele teria sido arrancado. A água era de um azul que contrastou com o convés branco da Odyssey...pensei ainda mais rápido: barco foi feito pra flutuar não para afundar, barco foi feito pra flutuar não para afundar...ssaímos do outro lado bonito...perdemos os travesseiros das almofadas da proa que eram colocadas com duas tiras de velcro que com as mãos era difícil de retirá-los...a força hidrodinâmica é terrível!!!
Nossa cabine de proa (aliás, a minha!) foi inundada. O colchão molhou todo, apesar da gaiuta estar muito bem fechada.
Saímos de uma sequência alucinante de seis ondas enormes. A Odyssey subia as ondas de corpo inteiro até quebrar e cair na sela entre as cristas...mais parecia o tal barco Viking dos parques de diversão...e que sensação maluca...a cada uma eu olhava para o Alex e pensava, essa é a última.
Tínha determinado que sairíamos da enseada já de blusa (pra chuva de cor amarela forte) e colete para qualquer eventualidade, Foi uma boa decisão, por que não conseguíamos nos mexer no fly de tanto que a embracação era chocalhada para todos os lados...as ondas apesar de terem um direção principal, ficou comletamente arredia e formava uns quadrados em forma de sela, onde caíamos com a Odyssey todinha dentro deles.
A Odyssey é uma Oceanic 36, com aproximadamente 10,80 m de comprimento por 3, 50 m de boca. Não é um transatlântico, mas também não é uma chatinha... tem um tamanho razoável. E ficávamos inteirinhos dentro das selas...
Fomos entrando para águas mais profundas com a intenção de sofrermos menos com o tamanho das ondas e foi dando certo. Quando estávamos a aproximadamente 18 metros, conseguimos falar com uma embarcação que havia ficado na enseada perguntado sobre as condições do mar...mal podíamos nos segurar no assento, quanto mais responder para eles. Logo em seguida a Delta 21 nos chamaou solicitando as condições do mar e nossa localização.
Isso foi legal isso. Me trouxe segurança saber que eles estavam nos acompanhando e que em qualquer risco ou perigo maior, teríamos a esperança de um salvamento. Víamos a costa e eu pensava...tão perto e tão longe ao mesmo tempo...nessa circunstância, melhor longe...
Passamos nossa localização para a Delta 21 e fomos navegando a 9 nós. Vi a ponta do Saco do Indaiá e rumei naquela direção. As ondas maiores vinham do sentido de Ilhabela, o que nos fazia, quando da chegada de uma nova leva de ondas, rumar para lá. Depois corrigíamos virando em direção a costa - Perequê - e fomos costurando.
Duas horas e meia depois, estávamos chegando perto da entrada do Canal de Bertioga e pudia ver a mistura de águas vindas do mangue que riscava as águas azuis do mar com uma cor marrom, que de longe lembrava um derramamento de petróleo no mar. Foi uma imagem assustadora, por que a distância não sabíamos ao certo do que se tratava, mas fomos arriscando a nos aproximar.
Nessa altura, as ondas estavam entrando de popa na embarcação e chovia aos cantaros no litoral de Bertioga.
O Alex estava pilotando o barco nessa altura, pois quase cai do fly numa das ondas que nos pegou de popa, mas a 45º, levantando a popa a boreste e fincando a proa de bombordo na água.
O Alex pediu para que eu fosse olhando a chegada de ondas pela popa...e tão próximos da entrada era difícil se conter e diminuir a velocidade de chegada. Fato que uma entrou em nossa popa novamente por boreste jogando violentamente a proa de bombordo para dentro da água. A Odyssey foi adernando à boreste e adernando, adernando, adernando que dava a impressão que poderia tocar o mar com as mãos...caso tivesse coragem pra isso.
O Alex tirou a proa para bombordo tal qual os surfistas fazem para sair da onda e deu certo. Apesar de assustadora a manobra deu certo e entramos atrás dessa mesma onda e aceleramos para não sermos pegos pela próxima, já tão perto da pedra do Corvo.
Uffaaaa... entramos...
Comemoramos como se tivéssemos ganho uma regata...
Apos mais alguns minutos atracamos no pier da marina Tchabum em segurança.
Na entrada do canal chamei a Delta 45 e pedi pra fazerem uma ponte com a Delta 21 que nos acompanhou em toda viagem para notificá-la que havíamos conseguido. Chegamos em segurança.
Uma viagem de ida de uma hora teve um retorno de duas horas e meia. Curioso, não precisamos muito para adquirirmos experiências muito interessantes no mar. Tão perto de casa e que apuro passamos.
Ficou algumas lições:
1. A temperatura da água deve ser considerada sempre. A água estava quente e era possível sentir a pressão baixando.
2. O Capitão deve decidir pensando no bem de todos considerando a segurança em primeiro lugar e não o prazer de um passeio.
3. A decisão de retirar todos da embarcação foi acertadíssima, pois todos teriam passado mal com o intenso balanço das ondas.
4. Com o mar não se brinca.
5. Tempestades no mar nos aproxima de Deus. Lembrei da passagem em que Jesus e seus apóstolos foram pegos por uma tempestade na travessia de mar. Enquanto todos se desesperavam, Jesus dormia. Ele tem o domínio de tudo!
6. Considerar melhor a meteorologia.
Bom, foi um bom teste para quem deseja ir para a Antártida. Dizem que no Estreito de Drake as ondas chegam facilmente aos seis, oito metros, se o tempo estiver bom...
É isso, depois coloco as fotos (poucas) que tiramos. Assim,
Boa navegação à todos!
Capitão Gutemberg
Comandante da Embarcação
Foi uma loucura mesmo...rs...
ResponderExcluir