Diário de Bordo em 26 de Fevereiro de 2010
Uma coisa aparentemente fácil na navegação é a atracagem ou ato de você encostar o barco no pier ou cais.
Na verdade não há nada de fácil nisso. Vemos os nossos Mestres, Imediatos ou Marinheiros fazerem essa manobra com tanta presteza que nos enganamos com a idéia de que atracar uma embarcação é como estacionar um veículo.
Hoje foi publicado no site do IG uma matéria falando sobre um incidente com um navio de passageiros com mais de 1.500 pessoas a bordo que se chocou contra o cais e acabaram morrendo três tripulantes pela força do impacto. Um deles era brasileiro.
As fotos abaixo podem mostrar o tamanho da criança...
Visão de bombordo do navio, avaliando o comprimento da embarcação.
As notícias falam que estava ventando muito na hora da atracagem e com certeza era verdade. veja que o costado de boreste subiu no cais...dá para imaginar a confusão a bordo.
As manobras de atracagem são sempre arriscadas por que a embarcação está perto de um obstáculo físico e qualquer erro pode causar um acidente e danos a embarcação. Esse momento é de alto risco e de dificuldade pois você deve observar algumas características como:
1. direção da corrente;
2. direção dos ventos;
3. onde irá atracar a embarcação: poita ou âncora ou ambas;
4. dificuldades físicas da marina: distância entre as embarcações para você definir como irá atacar o cais; e por fim,
5. capacidade dos motores da embarcação.
Creio que de todos os principais são justamente os números 1 e 2.
Me recordo que recentemente estava chegando ao pier da marina e eu pilotava o barco e o Alex se encarregava das manobras com os cabos. Íamos apoitar. Escolhida a poita, fiz a manobra de ataque à ela e nesse ínterim começou a entrar um vento de través a boreste. Forcei a manobra para laçar a poita rapidamente pois o vento aumentava rapidamente e pegando a embarcação de lado, ficava prejudicada a capacidade de manobrabilidade, levando a Odyssey de través de bombordo contra a proa de outra embarcação que já estava em segurança atracada.
O Alex caçou a poita e conseguiu puxa-la com o crock, mas na hora de passar o cabo ele não conseguiu e deixou-a cair. Do ponto onde estava, já passando pela bóia, a coisa começou a ficar preta, pois estávamos de frente para a murada da marina. Sob as orientações do Alex, dei motor à ré com boreste fazendo um giro, com o auxílio do próprio vento, para guinar a proa em direção a dita bóia. Mais uma manobra e nada, o cabo da embarcação tinha uma bitola maior do que o olhal da bóia. A Odyssey deslizou em direção a proa do barco atracado.
Com a manobra nos livramos da proa do barco e agora tínhamos as bóias da marina pela frente, para driblá-las e sair de retorno ao canal, afastando-se assim do risco iminente de chocar-se contra os demais barcos e/ou enroscar os hélices nos cabos das poitas.
Demos a volta no pier e entramos do outro lado, buscando agora outra bóia, só que com o vento de proa e com a responsabilidade de dar um giro sobre si (o que é possível por termos dois motores. Para tanto você coloca um à frente e outro à ré, fazendo o barco girar sobre si. Mas ainda assim, terá que compensar a força do vento ou da corrente). Atacada a bóia o Alex rapidamente laçou-a travando o cabo de proa no cunho bem curtinho. Correu para me ajudar a fazer o giro, o que foi feito na maior tranquilidade.
Coisa chata Alex...eu suando de nervosismo e ele na maior tranquilidade fez a manobra e jogou a popa em direção ao pier. Travei a manobra e ele correu para ir soltando o cabo de proa até que nos aproximamos o suficiente do cais para lançar o cabo para um funcionário da marina que amarrou no cunho do pier.
a manobra de atracagem é sem dúvidas uma das manobras mais difíceis de quem se inicia na arte da navegação e pilotagem de embarcações. Por isso não raro, vemos notícias como a acima dando conta de acidentes em portos. Digo ser uma das manobras mais difíceis e arriscadas por que é o momento em que você conduz o barco até muito próximo de obstáculos físicos, onde qualquer deslize fará com que danifique seu barco e talvez de outros com prejuízos certos.
Existem alguns sites que ensinam, teoricamente, a realizar essas manobras o que permite ter uma boa idéia do como fazer.
Num deles pode-se até verificar ângulos de ataque ao pier.
O interessante são algumas dicas que receemos de nossos marinheiros, as quais devemos respeitar. Uma delas que aprendi cedo é considerar a direção da corrente, principalmente em canais, para a atracação. O ideal é você demandar o cais sempre de proa para a corrente, ou seja, contra a corrente. Isso dá sempre mais manobrabilidade para a embarcação, principalmente se seu barco tiver o sistema de propulsão denominado pé de galinha, que não responde bem ao leme, quando à ré.
Portanto, todo cuidado sempre é pouco quando estamos numa manobra dessas.
lembre-se de ficar atento a todos os detalhes. As vezes o marinheiro ou seu convidado (a coisa fica feia) decide te ajudar. Numa dessas manobras de aproximação de ré ao pier, o convidado pode saltar para o cais na intenção de amarrar o cabo de popa e... cai na água, entre os hélices de seu motor e a murada do pier...
Conselho: as vezes é melhor fazer tudo sozinho e pedir para os passageiros que permaneçam sentado em local que não atrapalhe sua manobra. lembre-se que como comandante da embarcação você é o responsável pela vida de todos a bordo.
Diversos acidentes poderiam ser citados aqui para ilustrar o artigo, mas o principal é seguir as recomendações do Regulamento de Navegação da Marinha - RIPEAM.
As dificuldades e a seriedade dessas manobras são tantas que o Departamento de Engenharia Naval e Oceânica da USP desenvolveu um simulador de manobras em 2007, que à época estava em testes no Porto de Vitória.
Assim, tanto como eu, não fique constrangido quando for atracar sua embarcação e precisar realizar diversas manobras ou da ajuda de pessoas mais experientes. Mas lembre-se: confie em sua intuição e conhecimento das dimensões da embarcação.
Assim,
Boa navegação à todos!
Capitão Gutemberg
Comandante da Embarcação
Capitão Gutemberg
Comandante da Embarcação